Posted by ACAPOEIRA | terça-feira, 11 de outubro de 2011 | 1 comentários




“Das Matrizes Africanas à Arte Metafísica”



“Mandinga de escravo em ânsia de liberdade, seu princípio não tem método e seu fim é inconcebível ao mais sábio dos mestres.”


Capoeira é Positiva.Capoeira é Negativa.
(Mestre Pastinha; 1889-1981)

A Bênção aos Mestres: Vicente Ferreira Pastinha, Bimba, Cobrinha Verde, Noronha, Waldemar da Liberdade, Aberê, Traira, Canjiquinha, Caiçara, Paulo dos Anjos, Gato, Curió, João Grande, João Pequeno, Primo, Ratinho, Morais, Ananias, Nó, Abelha, Bamba, Eusamor, Jogo de Dentro, Rogério, Alvinho Sucuri, Robson Abaô, Raimundo Dias, Lima, Kunta Kintê..., e Mestras: Elma, Janja, Jararaca... A Bênção aos professores: Jean Sarara e Marta Tainha... A bênção a todos os iniciantes, aos mestres que já partiram e aos mestres e guerreiros que se encontram lutando nesta grande caminhada de nossa terra mãe.

CAPOEIRA ANGOLA MINHA GENTE É CAPOEIRAGEM.É AUTO CONHECIMENTO.É ABISSAL. É dendê, é temporalidade, é ancestralidade, é natureza pura, é chão, é igarapé, é oceano, é inicio, meio e infinito. Capoeira Angola é para a vida. É arte terapêutica do sentir-se bem.

Esta arte busca trabalhar o self, o corpo, a alma. Seu objetivo é a essência humana. Capoeira Angola se apresenta como rara experiência, profunda, dos sentimentos humanos. Nela, são sempre descobertas novas, contínuas, próprias, para cada um que vem a praticar esta manifestação cultural e artística. Seus efeitos são muito fortes; mexe e vibra o corpo todo partindo do jogo dos movimentos e principalmente de sua musicalidade e canto, que vai moldando o sujeito comedidamente, pois a música faz demasiadamente bem à vida e a todos. “A música é a hierarquização de todas as artes”. Disse o filósofo SHOPENHAUER. Na capoeira encontramos esta simultaneidade de várias melodias dispostas harmonicamente. Num dado momento ela se revela uma polifonia e em outro se mostra numa onomatopéia.

Compreende-se que a capoeira veio de longe, das gêneses do povo negro, de lutas tribais de matrizes africanas, dos xirês, quilombos, senzalas, matas, mocambos, aldeias, maltas, terreiros, barracões, portos, fundos de quintais, ruas, becos e ladeiras, dos valentões, guerreiros, gladiadores e muitos lutadores de grande coragem e defensores dos seus próprios direitos, preservando dessa forma suas identidades, sua natureza e ancestralidades, consciente ou inconscientemente.

Na roda de capoeira existem os encontros e desencontros, entradas e saídas, jogo de dentro e jogo de fora; capoeira na verdade é volta ao mundo, é dobrar da esquina, um berimbau bem tocado, uma ladainha bem chorada, é cabeçada, é rasteira, é um desequilíbrio para um equilibro , é chamada para uma possibilidade de recomeço, é linguagem corporal e verbal.

Para alguns ela é incognoscível, para outros, transcendência, pluralidade e transformação cabal. Vista de perto, esta arte-luta-jogo para um homem distraído não passa de um mosaico tosco, porém para um menino de cosmovisão, ver este mesmo mosaico à distância é percebê-lo como a mais bela arte e mais profunda descoberta de sua própria estética. Nunca é demais ressaltar que esta arte representa toda uma historicidade e ancestralidade, vivência da resistência de um povo, luta, pura essência de liberdade. A sua forma tem a concepção profunda do belo e acena para além da realidade; apela para que o homem, a criança e a mulher mantenham-se sempre em contato com suas origens, energias e com a terra que pisam. Abraçando e celebrando a vida, uma fonte eterna de renovação sem perder seus passos e suas riquezas sempre canalizados com as tradições e fundamentos.

Capoeira Angola não pode ser só vista ou praticada como uma repetição de movimentos estereotipados, pantomimas e sistematização de golpes performáticos, nem essencialmente divisão de cores grupais e temporalidade. Convém ter-se em conta que este jogo belíssimo tem raízes de baobá, tudo foi e ainda é africanidade e não uma reafricanização, pois suas oralidades e tradições se perpetuaram ao longo do tempo.

É importante ter-se em conta a peculiaridade dessa pura dança metafísica. Em uma hora voando, noutras interiorizando-se no coração mesmo da terra, corpo e alma, pura simbiose; passos suaves, que vão plasmando os sujeitos no decorrer da caminhada pela vida. O capoeirista vivência experiências transcendentais. Através dos movimentos busca meios para estabelecer elos entre mundos, aparentemente, antagônicos: o inteligível com o mundo sensível, o equilíbrio e o barravento, a magia e a realidade, a casualidade e espacialidade, o finito com o infinito.

Capoeira Angola é jogo absolutamente metafísico acontecendo na realidade física. Neste contexto, este ritual corpóreo vem unir os sentidos e instintos, emoção e razão, meditação e reflexão, iniciação e passagem, liberdade e justiça; simbologia e ritualismo tudo com uma só finalidade essencial para seu praticante: sentir a vida, sentir-se bem, sentir o seu eu, a terra e o universo.

Muitos são encontrados na capoeira angola, mas será que realmente são dela? Muitos jogam capoeira angola, mas será que a sentem? Vivenciam a capoeira angola? Alguns cantam, tocam e batem o peito e exclamam: Pastinha, Pastinha, Pastinha, contudo vivem longe dos passos, ensinamentos, mandamentos e pensamento do velho e sábio mestre. Entrar na roda é para todos, vivê-la, senti-la e pensá-la é para poucos. Todos são alunos da roda da vida, mas poucos serão seus discípulos. Pensar dói, pois pensar é mergulho, encontro e desencontro, rupturas, retrocessos, reviravoltas e recomeço consigo mesmo. Disse C. Jung: “aquele que olha para fora sonha, aquele que olha para dentro acorda”. Não basta só jogar capoeira, tocar, cantar, dançar. É necessário vivenciar e sentir abissalmente, dia a dia, essa transformação; essa construção é uma renovação a cada dobrada nas esquinas da vida.

Capoeira Angola compõe uma terapia. É vida em movimento de energias corporais e quando o corpo está neste movimento é uma forma de comunicação com o mundo, com os outros e com o cosmo. ”E o nosso corpo é a nossa casa, é o alicerçe da nossa identidade” (LOWEN).

É, meus camaradas! Capoeira Angola é um rio profundo, e rio profundo corre em silêncio. Capoeira angola não é um jogo qualquer, banal, espetacularização sem sentido. Não é um sal na minhoca. Sem dúvida que esta arte, tem sua árvore genealógica na África e suas raízes profundas com o mestre Pastinha. Definitivamente na roda de capoeira angola todos tem um pouco do filósofo místico e sábio mestre Pastinha: “Capoeira é tudo que a boca come”. Realmente o mestre sabia da importância desta representação. Atribui-se a esta manifestação corpórea inigualável a grandeza de uma obra de arte, enraizada fundamentalmente em seu caráter ambíguo e que deixa ao olhar do espectador a decisão sobre o seu refinado significado. Capoeira angola é livre.

Quando capoeiristas estão no eixo da roda - portal energético - em sua espiral ou mesmo no pé do berimbau, eles ficam compenetrados, encantados, embriagados e confiantes, é estado de grande auto-realização, é momento impar, é hora de vadiar, negacear, mandingar. A finalidade deste momento crucial é única; todos os que tomam parte no jogo estão realmente condenados a serem livres, isso quer dizer que nenhum momento existe mais para sua alma- corpo-mente, portanto nada pode ser estabelecido, exceto aquilo que advém dos espíritos livres e de sua própria liberdade.

“Ninguém vira angoleiro. Nasce-se angoleiro”.


Mestre Beija-Flor



Tobias Barreto/Sergipe – BRASIL



Primavera de 2011

One Response so far.

  1. Muito bom alinha de pensamento que hoje muitos amgoleiros não tem gostei muito

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