Posted by ACAPOEIRA | domingo, 25 de março de 2012 | 0 comentários

Durante todo o período em que pratiquei a capoeira na antiga roda de Bimba e frequentei aquelas de Valdemar e de Pastinha, não observei sequer um caso de lesão de articulação do joelho ou de coluna vertebral.



Atualmente venho tomando conhecimento de acidentes frequentes comprometendo joelhos e coluna vertebral entre os praticantes da "regional".



Apesar da enorme difusão da capoeira e consequente aumento da população de praticantes, capaz, na opinião de alguns, de justificar o crescimento estatístico de acidentes e lesões esportivas, acredito que seja conveniente advertir os jovens iniciantes e sobretudo, os mestres e instrutores dos perigos envolvidos no estilo contemporâneo da regional, especialmente na capoeira acrobática.



Conhecendo a ocorrência lamentável de vários casos de acidentes fatais, sinto-me obrigado, na qualidade médico, ex-atleta, capoeirista, pai e sobretudo, de admirador irrestrito da juventude, a analisar as razões de tais fatos, vez que desconheço casos similares durante a prática da "angola".



Partindo da premissa de inexistência de acidentes tão graves durante o aprendizado e prática nas fases de criação e consolidação da regional, ou seja, sob o controle direto de Bimba, responsável pela integridade física dos "meninos" da classe dominante de nossa terra, vejo-me conduzido logicamente à pesquisa de elementos desencadeantes entre as modificações implantadas no ritual, no sistema e no método de ensino pelos mestres contemporâneos.



Comparando as imagens que guardo, na memória e no coração, dos jogos que assisti e pratiquei durante minha juventude, descubro quatro diferenças fundamentais, que comentaremos a seguir:

• Aceleração exagerada no ritmo e no andamento dos toques.

• Modificação no gingado.

• Ausência de movimentos de floreio.

• Afastamento dos parceiros do jogo.

• Expressão facial e dinâmica corporal dos participantes.





RITMO E ANDAMENTO



Entre outras modificações introduzidas hodiernamente na orquestra, musicas e cânticos, o abafamento do som do berimbau pelo uso inadequado do atabaque e do ruído pelo acompanhamento mal conduzido das palmas, a aceleração exagerada do andamento e do ritmo dos toques geram movimentos excessivamente rápidos, sem possibilidade de controle mental e de acompanhamento pelo parceiro. Cujos movimentos individuais, desordenados, descontrolados, não se encaixam, nem correspondem àqueles do companheiro e, portanto são capazes de produzirem lesões no parceiro e/ou no próprio autor, principalmente nos joelhos e na coluna vertebral, sem falar nas consequências dos impactos diretos.





GINGADO



Durante o período de criação da regional o gingado era curto (inclusive o de Bimba, lembra-me "Itapoan"), com balanceio do centro de gravidade do corpo humano (CGC), localizado no interior da bacia, aproximadamente um pouco abaixo do umbigo, no meio da linha que une os pontos mais altos da crista ilíaca, sem deslocar o tronco para trás e mantendo a coluna vertebral aproximadamente na vertical que une os dois pés.



Bimba não admitia a fuga para trás, que elimina a possibilidade de contra-ataque imediato, aconselhando a esquiva em rotação ou giro lateral, desviando o corpo da linha de impacto do movimento de ataque, reduzindo a área exposta e criando a oportunidade para contra-atacar instantaneamente o flanco exposto do adversário.



O afastamento excessivo dos pés aumenta a carga estática nos pontos de apoio no solo pelo braço de alavanca criado pela maior distância entre estes. Basta lembrar que para aumentar a base os lutadores abrem as pernas e baixam a “bunda”. Nesta posição, entretanto é mais difícil o uso dos membros inferiores para o contra-ataque. Em caso do afastamento para trás, a inclinação do tronco para diante coloca todo o peso do corpo sobre o ponto de apoio anterior, impedindo o uso deste membro para ataque, por motivos óbvios; além de reduzir o espaço de movimentação da esquiva. A inclinação do tronco para trás desloca o peso para o ponto de apoio posterior forçando a flexão da perna sobre o pé, criando uma hiperextensão da massa muscular da face posterior da perna (do tríceps sural), propiciando lesões do tendão de Aquiles. Enquanto o deslocamento do tronco para trás concentra o peso corpóreo no calcanhar do pé apoiado posteriormente produzindo uma extensão reflexa do joelho correspondente e da coluna vertebral, sobrecarregando a massa muscular posterior da perna, impedindo a mobilização rápida do membro de apoio posterior e a esquiva para trás, além de criar condições mecânicas a instalação de lesões mio-ligamento-articulares.





MOVIMENTOS DE FLOREIO



Os movimentos de floreio, além de desviarem a atenção do adversário e obrigá-lo a adotar posição adequada para o encaixe dos golpes de ataque, procuram manter uma permanente varredura das áreas e pontos fracos do praticante.



Em capoeira joga melhor quem engana mais!



O floreio é um processo mentiroso, uma pantomima que esconde a verdadeira mensagem do simulador e procura conduzir o parceiro a um movimento falho, que permita o encaixe do movimento de subjugação ou vitória do mais hábil.



Embora o floreio mais comum e mais rico seja praticado com os membros superiores, um bom capoeirista pode enganar com o olhar, com a expressão facial, com um grito, com a simulação de uma dor ou fuga, de uma falsa abertura na guarda, ad infinitum... aproveitando para embelezar a sua coreografia e mostrar suas habilidades aos presentes.



O floreio, ponto mais alto da exibição de habilidade, demonstra o domínio da técnica, da arte, do corpo e da mente... até daqueles do parceiro que se rende ao seu fascínio mágico, deixando-se enredar nas armadilhas coreográficas, paralisar pela incerteza do modo de proceder para corresponder ao inesperado e ao desconhecido!





DISTÂNCIA ENTRE OS PARCEIROS



O abuso dos golpes de mãos e cotovelos, a falta de flexibilidade de cintura, os ataques fora do comando do berimbau, o medo de ser atingido por um golpe (criado da falta de esquiva e do gingado defeituoso, ambos fruto da preocupação constante em soltar os golpes), obrigam ao afastamento do "lutadores" até uma distância aparentemente segura (julgada fora do alcance dos braços e pernas do oponente) e às fugas para trás. O afastamento maior entre os participantes leva aos passos largos e longos (de retorno ou de fuga) e impede o jogo de dentro, que só pode ser praticado a curta distância (dentro do alcance dos braços). Perde-se assim a oportunidade exercitar a defesa contra arma branca o emprego da mesma simultaneamente desaparece a chance da prática do abafamento (defesa contra saque de armas de qualquer natureza) e do emprego do floreio.





EXPRESSÃO FACIAL E DINÂMICA CORPORAL



Antigamente a expressão facial dos praticantes e da assistência era prazerosa, calma, sorridente, traduzindo júbilo, embriagues pela felicidade,... frutos do estado de espírito desenvolvidos pelo ritmo-melodia da orquestra e alegria dos cânticos, ao lado da confiança nos seus recursos de esquiva defesa.



Atualmente a face crispada, os punhos cerrados, a palidez e o suor frio do nervosismo ante a violência presuntiva da luta, manifestam a forte tensão mental e exaltação emocional. Medo? Agressividade? Apreensão? Em qualquer caso a avaliação é negativa. Perde-se o efeito da paz interior. Advém a hipertensão arterial, decorrente do desequilíbrio emocional, sobrecarrega os sistemas circulatório e nervoso.



Saltos, despropositados e desorientados no tempo e no espaço, acompanhados de torções, contorções, giros, deslocamentos, parafusos... propiciam desequilíbrios, quedas inesperadas e desprotegidas, luxações, fratura... aleijando ou matando.



A modificação do gingado, o desaparecimento da esquiva, do floreio, das manobras táticas, da coreografia a dois, da parceria (desconfiada... porém confiante em si!) dá lugar à exibição de movimentos individuais despropositados, descoordenados, a ataques inoportunos, cegos, sem alvo, sem direção, sem finalidade de defesa ou contra-ataque. Aparentemente cada qual procurando se manter fora do alcance do outro, na expectativa do momento em que possa em aparente segurança, desencadear uma série de golpes rápidos, violentos e afastar-se imediatamente para uma distância em que não possa ser molestado.



As "tomadas" ou "compras" de jogo desautorizadas pelo arbitro, algumas vezes simultâneas (até de 3 ou 4 atletas!), apressadas, intempestivas, oferecem oportunidade para ser atingido involuntariamente ou alcançar um ou mais companheiros, na roda ou na assistência, como já vimos ocorrer





CONSIDERAÇÕES FINAIS



As considerações acima nos levam a sugerir as seguintes modificações técnicas e táticas.

• Arrefecimento do ritmo e do andamento dos toques, das palmas e dos cânticos.

• Abolição do uso do atabaque ou abrandamento dos seus toques, afinação adequada do instrumento e seleção dos percussionistas.

• Lembrar que o pandeiro com redução dos guizos representa na orquestra de capoeira o papel do atabaque e do agogô como marcadores do compasso. Os instrumentos usados antigamente nas rodas de capoeiras eram de fácil condução... (era e ainda é, muito difícil conduzir o atabaque em transporte coletivo.

• Corrigir o gingado, aumentando a rapidez das esquivas (descendentes e giratórias) e contra-ataque.

• Usar floreios e manobras táticas para encobrir seus verdadeiros objetivos e intenções.

• Manter o parceiro ao alcance das mãos e consequentemente, dos pés e da cabeça.

• Evitar movimentos de ataque sem objetivo. Todo golpe deve encaixar no ponto desprotegido no momento exato.

• Coibir os saltos giratórios e movimentos repetidos, sequências automatizadas.

• Usar o apito para controlar o início, e interromper e terminar os jogos.

• Entregar a direção orquestra ao mestre de charanga.

• Não permitir as tomadas ou compras de jogo sem autorização do árbitro e interrupção do jogo em andamento.

• Não permitir decoração de qualquer natureza no interior na área de jogo.

• Delimitar a área de jogo de capoeira com uma circunferência exterior de 4,0 M de diâmetro, envolvendo um círculo com 3,5 M de diâmetro.

• Marcar os limites exteriores com faixas de 0,10 M de largura, em cores contrastantes com o piso e preencher o pequeno círculo com a mesma coloração.

• Durante os treinos limitar a prática à área interno (3,5 M de diâmetro para forçar a aproximação dos parceiros.

• O corredor entre os círculos exteriores é destinado à circulação dos juízes auxiliares o do instrutor.

• O praticante que ultrapassar a área circular anterior por três (3) vezes sofrerá desclassificação.

• Durante os treinos o instrutor deverá insistir em manter os alunos jogando na área interior.



Fonte: Dr. Angelo Augusto Decanio Filho

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