Posted by ACAPOEIRA | quarta-feira, 9 de março de 2011 | 0 comentários

Durante as invasões holandesas no Brasil, muitos escravos aproveitaram as ocorrências para fugirem dos cativeiros e das senzalas em que viviam. Após as fugas reuniam-se nas fraldas da Serra da Barriga, no Estado de Alagoas. Quando juntavam um número maior de fugitivos, eles formavam repúblicas, que, segundo alguns historiadores, a mais importante foi a República dos Palmares ou (Quilombos).


Assim como em cada segmento da sociedade sempre existe uma liderança, no caso dos escravos um recebeu destaque, pelas várias façanhas que protagonizou.

Foi “ZUMBI” valente e destemido chefe do Quilombo dos Palmares.



Esses africanos e seus descentes fugitivos utilizavam a capoeira para se defender de seus perseguidores, entre eles os capitães do mato, ou também expedições chefiadas por capitães que recebiam ordens dos senhores de engenho para capturá-los. Como eles não usavam armas, lutavam corpo a corpo usando os praticantes da capoeira.

Os africanos e seus descendentes souberam transplantar numa coexistência dialética singular, o conjunto civilizatório que permeou toda a sociedade brasileira em organizações e associações.

Com o fim da escravidão, esta luta foi bem assimilada pela sociedade atual. Em 20 de novembro estava consagrado como data de celebração da consciência negra. Em 1965, o Quilombo dos Palmares fora destruído, e o seu líder, Zumbi, morto e decapitado, passava para a história como símbolo de um dirigente político negro que lutou até o último suspiro contra a escravidão. Ganga Zumba, seu antecessor, acreditou na possibilidade de uma negociação justa com as autoridades coloniais. A paz de Ganga era a derrota do quilombo. Ele desceu a serra com os seus seguidores, colocou-se na beira da praia sob a tutela dos senhores dos escravos e renunciou à luta contra a escravidão, entregando aos senhores os escravos recentemente liberados no quilombo e recusando-se a aceitar qualquer outro fugitivo. Seu destino foi triste. Faminto, reescravizado, traído, Ganga Zumba morreu.

Zumbi disse não. Reuniu todos os mocambos, fortificou a sede de Palmares e preparou a resistência ao governo da Capitania de Pernambuco. Alguns militantes e historiadores, como Joel Rufino dos Santos, se perguntam por que Zumbi e o povo de Palmares resolveram abandonar a velha tática de guerrilhas, pela qual há 100 anos - desde 1595 - "circularam em uma rede de mocambos precários que, uma vez destruídos por ataques dos escravos, rapidamente se refaziam adiante e continuavam a luta. Por que Zumbi preferiu a guerra de posição: fincou pé na Serra da Barriga, fortificou-se e resolveu enfrentar cara a cara o inimigo? Os palmarinos tinham clareza da superioridade militar do inimigo, reunificados após a expulsão dos holandeses, vitoriosos na reconquista de Angola aos holandeses e na guerra contra o reino cristão do Congo. Se assim era, fincar pé em Palmares era morte certa, era suicídio. Hoje, mais de 300 anos depois, a resposta é evidente. Naquele tempo era possível ter esperança. Ousar lutar, ousar vencer, por que não?

O que cabe a nós, cidadãos e historiadores de hoje, é a pergunta: o que havia de tão valioso que justificava a ousadia temerária daqueles palmarinos? A mesma pergunta pode ser feita em relação aos malês da Bahia. Por que, em vez de fazerem mais um levante para sair da escravidão, como os mais de dez que o precederam na Cidade do Salvador, resolveram fazer uma revolução escrava? A leitura atenta da obra de João José Reis mostra que os malês tinham consciência de que era preciso conquistar a Cidade do Salvador, abolir a escravidão, inverter as hierarquias sociais, para enfim poderem viver plenamente o Islã em liberdade. No caso de Palmares, há evidências de que os quilombolas entenderam que era o momento de parar de fugir e assegurar a consolidação de uma cidade-Estado em que fosse possível a vida em liberdade.

Para melhor compreendermos essa opção política, é preciso ver em Palmares muito mais do que um refúgio de escravos. Ao longo de 100 anos de resistência, os palmarinos construíram um território amplo, formado por vários mocambos ligados em rede. Várias foram as gerações nascidas em Palmares, fora da escravidão. Elas formaram um povo palmarino, sem o trauma da derrota originária da escravização em África e sem vivência da escravidão no Brasil, com a capacidade de absorção e re-culturação dos fugitivos da escravidão, negros e índios, além dos brancos excluídos da sociedade açucareira. A guerra permanente contra a escravidão soldava a solidariedade do povo em torno de uma identidade quilombola. Além de território, povo e identidade, desenvolveu-se em Palmares um modelo de economia auto-sustentável, regulada por instituições sociais de justiça e de governo. Portanto, estava em curso um processo de formação de um estado nacional multiétnico, fundado na cooperação do trabalho livre e organizado a partir das referências culturais africanas. Esta foi a primeira formulação de um projeto de estado nacional brasileiro, em um momento em que a sociedade colonial portuguesa, mesmo após a vitória de Guararapes contra os holandeses, estava inteiramente empenhada na reconquista da África e na reconstrução do Império Atlântico Português.

Zumbi fincou pé em Palmares e aceitou a guerra de posição para defender a possibilidade de um Brasil livre, liderado por africanos. Este foi o verdadeiro sonho de Zumbi, que valia o sacrifício e valeu a experiência como legado histórico para as lutas contemporâneas do povo brasileiro. O exemplo de Zumbi é vivo, hoje, não pelo aspecto guerreiro, mas pelo aspecto político. Afinal, sabemos todos que a guerra é uma dimensão terminal da política. Os milhares de quilombos que se organizaram nos 200 anos seguintes resistiram e enfraqueceram a escravidão, mas nenhum deles conseguiu formular um projeto de Estado e de sociedade alternativos à monarquia escravista. O movimento abolicionista, a partir dos anos 60 do século XIX, conseguiu mobilizar a mais ampla frente popular contra a escravidão, mas não produziu nenhum projeto político, social e econômico para o pós-escravidão. O que registra a nossa história é a inteira desarticulação do negro brasileiro no dia seguinte ao 13 de Maio. Sem projeto de sociedade, ficou dilacerado entre o projeto do Terceiro Reinado e o projeto da República, foi esmagado pelo imigracionismo e pela exclusão política e social, perdeu todos os aliados da véspera, virou um subcidadão.

Hoje, no momento em que o movimento negro brasileiro alcança vitórias importantes e que o governo da República incorpora de uma maneira sincera o compromisso com a igualdade racial, não podemos esquecer o exemplo de Zumbi. Não basta lutar contra o racismo e contra a exclusão social através de múltiplas políticas de ações afirmativas. É preciso construir um modelo político e econômico para o Brasil que consagre a igualdade racial. Como em Palmares, não basta lutar contra a desigualdade. Devemos construir o sonho da igualdade e da liberdade.

Crédito: Ubiratan Castro - Presidente da Fundação Palmares

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