Posted by ACAPOEIRA | quarta-feira, 9 de março de 2011 | 0 comentários

Mestre Boby (PI)
Mestre Bobby (PI)



 

A Capoeira enquanto cultura identitária, diversa, plural e de resistência social: questões pertinentes à formação do capoeirista em contextos atuais


Robson Carlos da Silva (Mestre Bobby)

Recentemente, já nesse ano de 2011, em um evento de capoeira cujo objetivo era a promoção de um ciclo de palestras sobre a formação do capoeirista, realizado em Fortaleza-CE, foi convidado, dentre os palestrantes, um Mestre de capoeira de um grupo de Brasília-DF, com conceituada formação acadêmica, participante ativo das mesas de debates do Programa de Salvaguarda e Incentivo à Capoeira (Pró-Capoeira), portanto um representante oficial do Governo Federal Brasileiro, o qual em sua fala versou, dentre várias questões, sobre a formação do capoeirista em contextos atuais.

Não será divulgado maiores detalhes a respeito de sua identidade, porque a natureza desse artigo se restringe a levantar alguns argumentos a favor das Escolas de Capoeira enquanto local privilegiado da formação integral dos capoeiristas.

Na palestra foi feito um breve apanhado histórico da formação social do Brasil, inserindo nesse contexto a história da capoeira a partir de sua compreensão particular, esclarecendo como se constitui oficialmente o processo de reconhecimento de uma expressão enquanto Patrimônio Histórico Cultural Brasileiro, bem como, enfatizando a urgente necessidade de formação dos capoeiristas nos tempos atuais, como forma de melhor se adequar às organizações em que a capoeira hoje se insere, tais como escolas particulares e universidades.

O discurso que prevaleceu na palestra, no entanto, remete ao entendimento de que se faz necessário, para os capoeiristas, uma formação universitária, de nível superior, visto que não ficou claro, notadamente para quem atua em contextos populares e espaços públicos, como, onde, em quais contextos e condições, além de quem deve se submeter a essa formação e em quais modalidades.

Neste aspecto acredito caber algumas considerações a título de questionamento, sem pretender, no entanto, esgotar ou apresentar respostas prontas e definitivas. Uma primeira questão diz respeito à necessidade, realmente urgente, dos capoeiristas em buscar melhor formação, se atualizarem e se capacitarem, conquistando espaços em escolas, universidades, academias, espaços de lazer etc., o que exige a capacidade de comunicação e relacionamentos com pessoas de diferentes culturas.

No entanto, esse processo não remete ao total abandono dos códigos culturais dos capoeiristas, ou seja, o capoeirista para ocupar espaço e desenvolver trabalhos em instituições sociais não precisa jamais ter que esquecer seus hábitos e os valores de sua cultura, bastando conhecer, respeitar e resguardar a devida postura ética nas relações com as pessoas envolvidas em sua prática.

Para ter conhecimentos, saberes, competências e atitudes que garantam o bom desempenho educativo de sua atividade o capoeirista não necessita, obrigatoriamente, de uma formação universitária, ficando essa à sua livre escolha ou opção, visto que a capoeira nasceu, se desenvolveu e se reinventa constantemente a partir de uma matriz cultural e identitária da cultura do povo brasileiro, devendo ser entendida e aceita nas mais diversas instituições mantendo essa matriz viva, inclusive como forma de garantir sua diversidade e sua pluralidade, o que garante que seja reconhecida enquanto patrimônio cultural.

A capoeira obteve historicamente em seu processo de constituição o reconhecimento de escola de educação não-formal, que trabalha com um processo educativo em que o movimento, o gestual, a oralidade, tornam a expressividade das ações dinamicamente conduzidas por uma mistura de alegria, felicidade, êxtase e, acima de tudo, malícia, onde os alunos aprendem de forma integral, expressando sentimentos e emoções em que cada gesto e expressão que executam são cheios de história, resultando em um processo de reconstrução dessa história por meio das possíveis e complexas formas de agir que os corpos livres passam a ter.

Por outro lado, e aqui falo a partir de minha formação em Pedagogia, Especialista em Supervisão Educacional, Mestre em Educação e aluno do Programa de Doutorado da FACED-UFC (Fortaleza-CE), nas escolas de educação oficial ainda se privilegia pedagogias que trabalham com a aprendizagem e o conhecimento de forma fragmentada e reducionista, em que os alunos agem de forma controlada, fazendo somente o que lhes é permitido, se tornando sujeitos com pouca ou quase nenhuma consciência crítica ou política.

É esse valor (ser diverso e se manter plural) que caracteriza a identidade e que deve ser conhecido e mantido pelos capoeiristas, se respeitando mutuamente, valorizando as diferenças entre os grupos, os rituais e tradições características da escola de cada Mestre, reforçando as liberdades e garantindo que cada um possa expressar sua forma de conceber a capoeira livremente, sem ter que seguir hierarquias impostas como verdades absolutas, enquadramentos ou padrões definidos, pois apenas refletem a intenção de determinado Mestre ou grupo em deter o poder, impor seus valores, conduzir e determinar como os outros devem agir, o que segue uma orientação totalmente contrária aos valores e fundamentos da capoeira, que é lutar contra todo tipo de imposição, aliada ao livre expressar.

Assim sendo, defendo, enquanto Mestre e pesquisador da capoeira, uma postura de prática enquanto luta de resistência e de negação contra todo tipo de oficialização, inclusive de qualquer tipo de “academicismo” que se deseje impor à educação não-formal, própria da capoeira; contra, ainda, a todo tipo de negação à cultura dos capoeiristas, sua forma de falar, de se vestir, de manifestar sua religiosidade, suas opções, sua cultura específica e particular; a favor da prática da capoeira enquanto prática política que antecede a educação escolar e foi forjada nos contextos sociais, nos meios populares, no encontro, confronto e síntese das diversas matrizes culturais que contribuíram para a identidade da cultura brasileira.

Leave a Reply